Minha opinião sobre Direitos Autorais no STF

Participei da audiência sobre direitos autorais no Supremo Tribunal Federal. O Tribunal disponibiliza o vídeo. Minha fala está no 1:17:55.  O link é: http://www.youtube.com/watch?v=9_zYIv9inwc

Eis o texto integral do meu pronunciamento:

“Boa noite a todos. Alguns esclarecimentos. No texto de apresentação desta audiência, sou identificado como presidente da Associação dos Roteiristas. Fui presidente da entidade por muitos anos. Não sou mais, hoje pertenço ao conselho consultivo. Informo também que falo em nome da Associação dos Roteiristas e da Associação Brasileira de Cineastas, ABRACI, representada por seu presidente, o diretor Dodô Brandão e pela diretora e atriz Ana Maria Magalhães, aqui presentes.

Dito isto, quero agradecer a este Tribunal, particularmente ao Ministro Luis Fux, pela oportunidade de me pronunciar sobre o assunto em pauta. Oportunidade que não nos foi oferecida, a nós, autores-roteiristas e diretores do audiovisual brasileiro, ao longo de toda a tramitação da lei em questão, desde a CPI que a antecedeu até sua promulgação pela Presidente da República.

O fato de nós, roteiristas e diretores, termos sido ignorados nesse processo é inexplicável, do ponto de vista legal, considerando que, tanto quanto os músicos, segundo a Lei 9610/98 e o consenso quase universal, os roteiristas e os diretores são coautores da obra audiovisual e, por consequência, detentores dos mesmos direitos que tal titularidade proporciona aos músicos.

Os motivos da escandalosa omissão, não sendo legais, talvez tenham que ser buscados em interesses de outra ordem, políticos, empresariais, sabe-se lá. Ou simplesmente se encontrem na nossa cultura, que teima em não valorizar a palavra escrita; cultura que tem dificuldade em reconhecer, por trás da obra audiovisual exibida, o texto dramatúrgico que a sustenta e a realização do diretor, como se as imagens das séries, dos filmes, das novelas e dos especiais se materializassem por geração espontânea diante das câmeras e as falas emanassem da boca dos atores por pura inspiração divina. E já que a lei em discussão só considera os músicos, seria como imaginar que uma sinfonia brota dos músicos de uma orquestra ao acaso, que as notas não estão compostas numa partitura e que o maestro à frente de todos está ali apenas para gesticular como o bobo de Shakespeare, sem nenhum significado.

Esta situação em que, dos três titulares dos direitos autorais da obra audiovisual, apenas os músicos exercem o direito de remuneração tem raízes históricas. Da parte dos músicos, pela sua mobilização e organização que vêm desde a década de 70, como é do conhecimento geral. Enquanto os autores-roteiristas e diretores, por uma série de razões, não tiveram assegurado na lei, de forma explícita, o direito à remuneração pela exibição de suas obras.

Quem despertou os escritores e os diretores do audiovisual brasileiro para seus direitos foram as arrecadadoras europeias, que os procuraram para informar que havia dinheiro recolhido na Europa pela exibição de suas obras e que eles precisavam criar uma entidade similar para receber o que lhes era devido, ao tempo em que fariam a cobrança das obras europeias exibidas aqui, em contrapartida.

A partir desse impulso, entidades e personalidades do audiovisual começaram a se mobilizar. Houve encontros, seminários e discussões até que, em 2005, foi elaborada a minuta de um projeto de arrecadadora independente a ser gerida pelas entidades de roteiristas e diretores. Este projeto, no entanto, naufragou, torpedeado por setores discordantes, e quem assumiu o comando do movimento foi o Ministério da Cultura, que veio com a proposta de revisão da Lei 9.610, como preliminar indispensável, já que as imprecisões da lei dificultariam qualquer cobrança. O Ministério da Cultura formou grupos de trabalho, organizou reuniões, seminários e debates. Depois de cinco anos de intensa movimentação pelo país todo, foi elaborada uma proposta de revisão da lei, que chegou a ser posta em discussão pública e, em seguida, misteriosamente, desapareceu nos escaninhos do poder.

Parece que o único resultado concreto que a movimentação nacional promovida pelo Ministério da Cultura em torno dos direitos autorais trouxe foi a CPI que deu origem à lei que hoje aqui se discute.

Fazendo uma leitura de leigo, já que não sou jurista, o que pude constatar é que vários artigos daquele projeto de revisão da lei 9610 elaborado pelo Ministério da Cultura depois de ampla mobilização nacional e com apoio de entidades do audiovisual, vários artigos, repito, foram incorporados a essa nova lei hoje aqui em debate, o que configura a revisão da lei 9610, tal como havia sido proposta pelo Ministério da Cultura ainda em 2005. Só que nenhum desses artigos alterados ou inseridos se refere aos autores-roteiristas e aos diretores do audiovisual. A revisão da lei foi feita, isso é inegável, e dela nós, autores-roteiristas e diretores fomos liminarmente excluídos.

Neste tribunal se discutem os benefícios e malefícios da fiscalização governamental sobre a arrecadadora dos direitos dos músicos – bem aventurados músicos que, de uma forma ou outra, recebem pelos seus direitos. E os desventurados autores-roteiristas e diretores do audiovisual que, embora titulares dos mesmos direitos, nada recebem? Quem vai fiscalizar a sua carência? Quem vai arbitrar os números da sua indigência?

É para esta desvalorização do autor-roteirista e do diretor que quero chamar a atenção. O Brasil assinou convenções internacionais que consagram o “droit d’auteur”, o direito de autor. A Lei 9610 incorporou este conceito ao estabelecer claramente, no artigo 11: “Autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica”. No entanto, o que se tem visto na prática do audiovisual brasileiro são as tentativas de escamotear este princípio, por exemplo, quando se usa a denominação de “obra coletiva” nos contratos, carreando desta forma a autoria para a empresa contratante, juntamente com os direitos que a acompanham.

A situação em que se encontra a centenária Sociedade Brasileira de Autores Teatrais, SBAT, tão bem exposta aqui pelo seu representante, é mais um sintoma do desprestígio de que o autor dramático, no sentido amplo que o termo hoje tem que ser empregado, abrangendo o autor teatral, o roteirista da televisão e do cinema e o roteirista da internet, vem sendo vítima nos dias de hoje. Os diretores também se incluem neste quadro.

O artigo 86 da Lei 9610 diz que “os direitos autorais de execução musical relativos a obras musicais, lítero-musicais e fonogramas incluídos em obras audiovisuais serão devidos aos seus titulares…”

Quer dizer, a música incluída numa obra audiovisual gera direitos de remuneração para seus titulares. Mas o texto dramático que sustenta aquela obra e a direção que lhe deu forma final não geram direitos para seus autores. Aqui fica claro o que eu disse no início. É como se a obra audiovisual se materializasse por geração espontânea e o músico, no fim, coroasse esse espantoso conjunto insubstancial com os sons do abismo.

A ausência do direito de remuneração, claramente explicitado, dos autores-roteiristas e dos diretores é uma grande falha no texto da lei 9610, não por culpa dos músicos, obviamente. A lei que hoje aqui se discute poderia ter sanado esta falta. Mas não o fez. Continuamos nós, roteiristas e diretores, órfãos de direitos que nossos “irmãos de criação” usufruem. Falta um dispositivo legal suficientemente claro para que os usuários se vejam obrigados a pagar também aos roteiristas e diretores pela exibição.

Quero também comentar a imprecisão do artigo 16 da lei 9610, que diz serem “coautores da obra audiovisual o autor do assunto ou argumento literário, musical ou lítero-musical e o diretor”. Como se nota, é uma redação antiga. Autor do “assunto ou argumento literário” na terminologia corrente é o roteirista e também, quando for o caso, o autor da obra em que se baseia o roteiro. A designação correta e atual da atividade na lei é importante para os profissionais.

Finalizando, estou consciente de ter trazido à baila questões espinhosas e que alguns talvez considerem impertinentes. No entanto, são de importância vital para autores-roteiristas e diretores. Por isso, acredito que os ilustres senadores, deputados e autoridades que demonstraram tanto interesse pelos direitos autorais, a ponto de elaborar a atual lei, saberão encontrar soluções que promovam a necessária valorização dos autores e diretores dramáticos e a equidade na legislação dos direitos autorais. Obrigado.”

STF