O grande governo Lula, que tanto maior fica quanto menor é

posse-do-presidente-lula-em-2013

Reinventar o passado não serve para nada mas pode ser divertido. Vejam o que me ocorreu outro dia (como se não tivesse a segunda temporada de “Plano Alto” para terminar, trabalhosa e complicada que só ela).

“O grande governo Lula, que tanto maior fica quanto menor é

Encontrei um velho colega da Faculdade Nacional de Filosofia, a gloriosa FNFi. Lá se formaram várias gerações de revolucionários e professores secundários. Este meu amigo, coitado, apesar de inteligentíssimo e culto, depois das perseguições da ditadura, enlouqueceu. Esfarrapado como um mendigo, ele me puxou para um canto. Queria me contar um sonho que tivera com o Lula, naquela noite. Narro a seguir, procurando ser fiel às palavras dele.

Empossado presidente, em 2003, Lula conversa com Dona Mariza, antes de se esparramar pela primeira vez no magnífico leito palaciano. “Sabe, Galega, esse negócio de virar presidente está torcendo meus miolos. Estou me achando bacana, e eu não sou nada disso”. “Como não é, Lula? Rebate a esposa. “Você agora está por cima. É mais bacana que qualquer bacana”. Lula olha para ela e sacode a cabeça: “Não, mulher. Virei presidente mas continuo sendo o ignorante que só fez até a quarta série do primário.” “Isso não tem mais importância, Lula, diz a outra. Num instante vão te chamar para ser doutor honoris causos, igual o Fernando Henrique”. “E isso vai adiantar para o povo, Mariza?” “Se vai adiantar, não sei. Sei que você é melhor contador de causo que o FHC”. “Para de falar besteira, meu amor, irrita-se Lula. Eu já decidi. Agora tenho emprego fixo e dou expediente na hora que quiser. Vou aproveitar para fazer aquilo que as elites não me deixaram fazer na vida.”

Marisa olha desconfiada para o marido: “O quê? Vai encher a cara todo dia, se meter em bacanal com mulher da vida? Eu arranco teu coro, miserável.” Lula se encrespa: “Posso falar? Você me dá licença? O que as elites me impediram de fazer foi estudar, mulher. Então, agora que posso fazer o que quiser na vida, vou voltar para a escola e terminar o ensino fundamental. Acho que é um bom exemplo para esse povinho burro e ignorante. E uma lição para os poderosos”. Dona Mariza deixa-se cair na cama king size da presidência: “Endoidou”.

Mas Lula não se contamina pelo negativismo da mulher. Matricula-se no curso noturno da escola pública mais próxima do Palácio do Planalto, lá em Taguatinga ou sei lá como se chama o buraco. A repercussão é estrondosa, nunca vista. Todos os jornais do país estampam na primeira página: “Presidente da República de volta à escola primária”, “Lula quer completar o ensino fundamental”. Os maldosos alfinetam: “Lula quer aprender a ler e fazer conta”; “Vão desasnar o Lula”, e outras cretinices.

Lula ignora as gozações. Todos os dias, depois do expediente nos palácios, nas recepções, nas solenidades oficiais, ele junta o lápis, a borracha, a caneta bic, os cadernos e os livros numa mochila e vai acompanhar as aulas, na maior humildade, junto com os coleguinhas do curso noturno: vendedores ambulantes, empregadas domésticas, desempregados, serventes, lavadores de carro, gente do povo.

Agora, meu amigo, imagina o estupor dos inspetores, do diretor e dos demais funcionários quando estaciona diante da escola o carrão de placa 0001, cercado dos batedores e seguranças de praxe, e dele salta o simpático aluno da quinta série! Tenta imaginar a aflição dos professores que têm entre seus alunos o homem mais poderoso do país; adivinha o desespero dos assustados docentes, dos quais muitos, premidos pelos baixos salários e vários empregos, não têm tempo sequer para preparar a matéria, diante do desafio de dar aulas dignas de ninguém menos que o Presidente da República. Os coitados não têm mais sossego. Toca a ler, a estudar, a pesquisar, a consultar, a pensar. Lula percebe o esforço dos seus mestres, conversa com eles, solidariza-se com suas reivindicações, para desespero dos gestores.

Porque não é só aquela autoridade máxima ali no meio dos alunos a detonar a pasmaceira burocrática do ano letivo. A imprensa, nacional e internacional, também está em cima. Não há dia que não apareça um repórter a perguntar aos professores: “O que o senhor ensinou ao Presidente hoje?” “O Presidente é bom em matemática?” “Gosta de estudar história?”; a questionar os burocratas sobre medidas e planos de salvação.

De anônimos, todos os funcionários, normalmente frustrados e mal humorados, são subitamente catapultados a celebridades.  Qualquer um deles pode ter a cara estampada amanhã nas páginas dos principais jornais do país e mesmo do mundo.

Tenho certeza de que, se o amigo pensar dois minutos, não precisa ouvir o que vem a seguir, posto que os desdobramentos do que foi dito são facilmente dedutíveis. O que acontece naquela pequena unidade do Planalto Central ecoa em toda a rede escolar do país. Passa a ser assunto quase único nas salas de professores, nas reuniões de diretoria, nas conversas de cantina na hora do recreio.

Nenhum diretor de escola, nenhum inspetor de disciplina, nenhum professor, seja das capitais, seja de uma remota cidadezinha do sertão tem mais a segurança que lhe dava tranquilidade. E não é para menos. Se não seria fácil para um profissional de qualquer área ler todos os dias nos jornais, ver na televisão, ouvir nas rádios reportagens, análises, entrevistas a esmiuçar a atividade que exerce, imagina para aqueles que lidam com algo tão sensível, controverso e fundamental quanto a educação.  É alguém analisando a aula de geografia dada ao Presidente; outro comentando os equívocos do currículo que o Presidente tem que seguir; são coleguinhas do Presidente reclamando que nada entenderam de uma aula, por acaso uma aula que milhares de professores pelo país afora reconhecem ser igualzinha à que eles ministram.

Ainda por cima, o Presidente, na sua simplicidade e sabedoria, comunica aos governadores e prefeitos das cidades que visita por força do cargo que gostaria de ser recebido para as reuniões protocolares em unidades do ensino básico, pois tem interesse em trocar ideias com coleguinhas e professores das mais diferentes regiões. E mais, ele que escolhe qual escola quer visitar.

Uma onda de apreensão e mesmo de terror se espraia por todos os palácios governamentais e sedes de municípios do país. Porque é claro que nenhum governante – sempre de olho numa verbinha, numa obra esperta que o faça ficar bem na fita, num programa federal, na renegociação de uma dívida pública – nenhum governante, digo, pode contrariar tão singela vontade do Presidente. No entanto, pensam eles, e se a escola escolhida estiver em mau estado, suja, com equipamentos quebrados, falta de professores, rendimento baixo? Pior, com que cara acompanhar o chefe do Estado na visita a um muquifo desses? Como correr o risco de, ao lado do próprio, ouvir coleguinhas de Sua Excelência reclamarem da merenda escassa, dos banheiros fedidos, do descaso da direção, das aulas não dadas, das greves intermináveis? E ainda com a imprensa ali do lado, a anotar e fotografar.

Um movimento nunca visto de obras, tapa buracos, remendos, reformas, demãos enganadoras de tinta, fiscalização de currículos, promessas de aumento de salários, acréscimo de sustança nas merendas e tudo aquilo que possa, pelo menos, servir de desculpa ou atenuar a má impressão se alastra pelo país. Não porque o Presidente critique quem quer que seja ou exija atitudes. Nada disso. Ele simplesmente, tal  como um Pepe Mujica ou um Gandhi tupiniquim, continua a frequentar as aulas e a visitar escolas quando viaja a serviço. No máximo, vez por outra, para assombro do professor e ataques cardíacos da direção, o Presidente pede para assistir, na escola que visita, aula de uma matéria em que não está bem.

E assim, dirigindo o país de dia e frequentando a escola á noite, Lula completa a quinta série. O que acontece na educação brasileira neste primeiro ano ainda não pode ser devidamente avaliado. Só se percebe que há um rebuliço frenético em todas as instâncias do ensino, em todos os recantos do país.

Vem a sexta série. Lula continua aquele aluno aplicado, apesar das muitas faltas, sempre compreensivamente abonadas, em vista da sua atividade política. Mesmo no exterior, o Presidente estabelece o hábito de visitar escolas e comparar sua experiência com alunos de outros países. A imprensa, ainda que de maneira menos sensacionalista, continua a acompanhar, senão diária, pelo menos semanalmente essas atividades.

Vêm a sétima e a oitava séries. A escola brasileira, por força do impulso presidencial, não é mais a mesma. Os professores do ensino fundamental agora não são mais aqueles infelizes cabisbaixos. Tornam-se profissionais cientes do seu valor, porque enaltecidos e valorizados. Os alunos, orgulhosos, gostam de se dizer colegas do Presidente, estimulados pela foto ou imagem do líder na TV sentadinho numa carteira, lápis em punho, atento ao que diz o professor ou participando de atividades coletivas.

Chega a nova eleição e Lula se reelege. Logo se matricula no segundo grau. E ao longo dos anos seguintes não esmorece. Por exemplo, desembarca no Brasil, vindo de uma reunião em Davos, na Suíça, onde discursou para figurões de todo o mundo, e segue direto para se encontrar com os colegas e assistir as aulas. Nenhum professor tem mais a cara de pau de faltar um dia sequer. Não apenas em Brasília, no Brasil todo. Logo ouviria: se o Presidente fosse seu aluno, queria ver você faltar.

Lula agora está em todas as salas de aula, não como retrato burocrático, mas como  presença incentivadora. No dia da formatura do Presidente no segundo grau, professores, educadores, alunos, pais de alunos promovem espontaneamente uma grandiosa festa na Praça dos Três Poderes em Brasília. E em meio à alegria do povo se vê uma enorme faixa com os dizeres: “Com a força do colega Lula, o Brasil venceu o desafio da educação”. Sem rancores, sem divisões, sem ódios, ressaltam os jornais no dia seguinte.

Meu amigo me fitou um instante com olhar desvairado e desapareceu numa manifestação de protesto que acontecia ali perto.”