Uma reflexão sobre as últimas semanas

Amigos,

O desdobramento das manifestações, entrando pela terceira semana, sem objetivos claramente definidos, é preocupante por várias razões. A primeira, porque os interesses de quem está nas ruas são diversos e muitas vezes contraditórios, o que embute conflitos que podem eclodir a qualquer hora. Ao mesmo tempo, a autoridade governamental parece se diluir dia a dia, desenhando no horizonte a ameaça de um abismo institucional.

Nestas condições, o poder de manipulação sub-reptício de grupos organizados radicais sobre as pessoas que protestam é muito grande, tanto à direita quanto à esquerda.

Como, em minha opinião, manter o espírito crítico e preservar os princípios democráticos devem ser os objetivos prioritários, achei que podia ser uma boa desencovar algumas lembranças da minha época de militância e partilhar com vocês. Se não tiver a ver, esqueçam, por favor.

É um alerta, se é que posso chamar assim, para formas de atuação de facções antidemocráticas. Aí vai, sem maiores ordenamentos, lembrando que o que está à direita pode servir à esquerda também, e vice-versa.

À Direita:

– Em 1933, um mês depois que os nazistas assumiram o poder legalmente, o prédio do parlamento alemão, o Reichstag, foi incendiado. Os nazistas acusaram os comunistas e se valeram do incidente para editar leis de exceção que suspenderam os direitos democráticos e lhes permitiram botar na cadeia toda a oposição, exercer a censura, etc, enfim, instaurar o estado totalitário. Tudo indica que foram os próprios nazistas que atearam o fogo. Quer dizer, atacar e incendiar o parlamento é uma iniciativa muito perigosa, suscetível de ser apropriada pelas piores facções;

– Agente provocador é uma pessoa secretamente empregada pela polícia (ou grupo rival) para incentivar membros do grupo-alvo a cometer ou ser associado a atos ilícitos. O termo também pode se referir a pessoas que infiltram grupos com o objetivo de diminuir sua credibilidade (frequentemente protestos pacíficos) incentivando membros a cometerem atos radicais, ou cometendo atos radicais em nome do grupo, a fim de justificar o uso de força armada (definição do Google);

– apelo exacerbado a valores pretensamente sagrados que estariam ameaçados, principalmente os referentes a Deus, pátria e família;

À Esquerda:

– A esquerda radical nunca expõe claramente seus objetivos de fundo. Tem como tática partir das reivindicações específicas da comunidade ou categoria profissional em que atua para mobilizá-la e levá-la ao confronto com a ordem instituída. Se conseguir quebrar as instituições e assumir o poder, aí sim, põe em prática seus verdadeiros propósitos políticos. As ditas “reivindicações específicas” podem ser de qualquer natureza, importantes ou banais: melhoria no abastecimento de água, a construção de uma quadra de esportes, corrupção, aumento de salário, passe livre, etc;

– denúncias contra excessos de liberdade e propostas de controle da imprensa, venham com o nome que vierem, sempre são perigosas.

E já que o scherzo parece ser o movimento preferido no baile, não sei bem porque, lembrei do “18 Brumário de Luis Bonaparte”, do velho Marx, que sempre oferece boa reflexão:

‘Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas pesa sobre o cérebro dos vivos como um pesadelo. E mesmo quando estes parecem ocupados a revolucionar-se, a si e às coisas, mesmo a criar algo de ainda não existente, é precisamente nestas épocas de crise revolucionária que esconjuram temerosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomam emprestados os seus nomes, as suas palavras de ordem de combate, a sua roupagem, para, com este disfarce de velhice venerável e esta linguagem emprestada, representar a nova cena da história universal.’