Vidas Opostas – Folha de São Paulo / Ilustrada

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Folha de São Paulo – Ilustrada, Domingo, 11 de fevereiro de 2007

Demitido da Globo em 2002, Marcílio Moraes disse que sabia como bater a emissora no Ibope; o autor cumpre agora a profecia com a novela ‘Vidas Opostas’, que deixou a Record em primeiro lugar

Laura Mattos

Parece coisa de profeta. Em 2002, aborrecido por ter sido demitido da Globo, o autor Marcílio Moraes afirmou à Folha: “Sei fazer novelas e, se algum concorrente me der recursos, sei como bater a Globo”.

Cinco anos depois, o improvável aconteceu. Na quarta passada e na anterior, Moraes arregalou os olhos ao ver, no seu computador ligado ao Ibope, a Record ultrapassar a audiência da Globo graças à sua novela das 22h, “Vidas Opostas”.

A vitória foi por sete minutos na semana passada e dez na retrasada, e a diferença chegou a três pontos (26 a 23), na Grande SP (veja quadro ao lado com audiência). Nas duas ocasiões, a Globo exibia jogos do Palmeiras, que atravessa uma fase ruim. Ainda assim, uma vitória da Record nesse horário é inédita. Fora isso, Moraes, 62, conseguiu o feito apenas dois anos após a retomada da teledramaturgia  na TV de Edir Macedo.

Enquanto a Globo exibe a ultraconvencional “Páginas da Vida”, “Vidas Opostas” atrai o público por sua ousadia. Metade dos personagens mora na favela, e há um retrato realista dos morros, com cenas violentas envolvendo traficantes de drogas e policiais corruptos. A audiência se amplia desde a estréia e dificulta o crescimento de “Big Brother” e “Amazônia”.

Na Globo, Moraes trabalhou de 1984 a 2002, foi parceiro de Dias Gomes e Lauro César Muniz, entre outras grifes, e co-autor de sucessos como “Roda de Fogo”, “Mandala” e “Irmãos Coragem”. Assinou a bem-sucedida “Sonho Meu”, mas a direção da rede nunca o elevou ao primeiro escalão de autores.

Também por isso,  a surpreendente liderança de “Vidas Opostas” gera, confessa Moraes, um gostinho de revanche. À Folha, ele fala disso e dos trunfos que o levaram a cumprir a profecia. Leia abaixo.

Folha – Ao ser demitido da Globo em 2002, o Sr. Disse: “Agora estou no mercado. Sei fazer novelas e, se algum concorrente me der recursos, sei como bater a Globo”. Profético…

Marcílio Moraes – [risos] É, eu realmente sabia. Acreditava em meu talento. Saí da Globo mais por desentendimento  com alguns idiotas lá do que por questão de competência. Meu contrato acabou, e não quiseram renovar. Eles me pediam “remake” e eu não tinha mais saco para fazer. Insistia para que a Globo se abrisse para idéias novas dos autores. A Globo não confiava em mim, mas essa é uma longa história. Um dia vou escrever um livro de memórias pra contar. Mas não vamos falar de Globo! A Globo já era…

Folha – Depois de sair da Globo dessa forma, ultrapassá-la no Ibope não tem um gostinho de revanche?

Moraes – [risos] Dá um gostinho bom. Sabia que tinha competência e achava que não era reconhecido. Essa vitória me dá prazer também por vir no bojo de uma abertura de mercado, quando a Globo deixa de ser a única a fazer novelas. Vamos ver se agora deixam de  dizer que sou ex-Globo. A Globo é que virou ex-Marcílio Moraes.

Folha – “Vidas Opostas” passou a Globo apenas por mérito próprio ou a culpa é da fase ruim do Palmeiras?

Moraes – Fundamentalmente, o mérito é da novela. Há uma boa história, que chegou ao clímax e ultrapassou a Globo. Não foi casual, o público vem crescendo desde a estréia. É claro que o futebol pode ter sido uma boa oportunidade, mas a novela enfrenta “Big Brother”, “Amazônia”. Não é nada fácil.

Folha – Quais são os trunfos de Vidas Opostas” no Ibope?

Moraes – A história é firme. Não é nenhuma novidade, a mocinha pobre que se apaixona por um rapaz rico. Mas as circunstâncias são diferentes porque pego os dois extremos da pirâmide social. O elenco é bom, a direção do [Alexandre] Avancini, afiada. E pegou a questão da favela, da violência urbana, briga de tráfico e corrupção policial. Essa temática, não usual em novela, despertou curiosidade grande do público.

 Folha – A Globo exibiria uma novela como “Vidas Opostas”?

Moraes – Creio que não. O investimento na Globo é tão alto que ela fica engessada. O potencial do merchandising da minha novela não se compara ao de “Páginas da Vida”, que se passa no Leblon, de classe média. Favelado consome pouco.

Folha – O seu contrato, como o de Lauro César Muniz, prevê bônus a cada cinco pontos de audiência e paga R$1 milhão se chegar a 30?

Moraes – Tem isso. Se der 30, no meu caso, não chega a R$ 1 milhão, não. Mas se der 30, vou te contar, não precisa nem me pagar.  Vou achar tanta graça… E acho que até a Globo demitiria meus desafetos e me chamaria de volta [risos].

Folha – O sr. é contrário à idéia de o governo decidir a que horas os programas devem ser exibidos. “Vidas Opostas” foi classificada para 21h, e o Sr. Defendia que fosse 20h, horário recomendado a maiores de 12 anos. Com tantas cenas de violência, acha que uma criança dessa idade pode ver [em busca de Ibope, a Record depois decidiu estrear às 22h]?

Moraes – Acho que sim, talvez 14 fosse melhor[21h]. A sociedade é que é violenta , e a violência é parte intrínseca da dramaturgia. O público de Shakespeare podia ver violência e o nosso não pode ver mais?  Esse negócio de má influência é vago, acho que a burrice faz mais mal do que a violência. Não é isso que fará a nossa sociedade ficar ruim. O Brasil inteiro viu em TV aberta aquele ônibus 174 à tarde [cena semelhante ajudou a novela a bater a Globo na semana passada]. Era ficção?

Saiba Mais

Novela inova ao retratar a vida nas favelas

“Vidas Opostas” gira em torno do velho conto da Cinderela, com mocinha pobre apaixonada por rapaz rico. A novela da Record, contudo, inova ao fazer da heroína pobre mesmo, de “marre de si”.

Mora na favela e não numa casinha, colorida de subúrbio. A vida no morro, tráfico de drogas, tiroteios e corrupção policial são retratados com realismo, e esse é um trunfo de “Vidas Opostas”

As gravações acontecem na favela Tavares Bastos, no Catete (Rio). E são muitas as cenas externas, de ação. A estética tem como ponto de partida “Cidade de Deus”. A novela também traz atores do filme, como Phellipe Haagensen e Leandro Firmino, que interpretam traficantes.

“Vidas Opostas” apostou em iniciantes para o casal protagonista. Maytê Piragibe, que antes teve pequenos papéis,  é a mocinha Joana. O ex-goleiro do Grêmio Leo Rosa (demitido por ser baixo para a profissão) estréia na TV como o milionário Miguel. O casal tem química.

O elenco traz ex-globais como Lucinha Lins, Lavínia Vlasak, Marcelo Serrado, Cecil Thiré. Também teve Márcio Garcia, que foi bem no papel de um policial corrupto, já assassinado na história.