Mico Preto – Jornal O Globo / Segundo Caderno

Obras_Novelas_Mico Preto_Clipping_O Globo_11.04.1990

Quarta-feira, 11 de abril de 1990

Nova novela das 19h vira Mico-Preto

E mamãe volta para o armário

Depois que o “mico-preto” saiu do joguinho infantil e invadiu a linguagem popular com todo o seu simbolismo de “entrar numa furada”, a Central Globo de Comunicação – responsável pela escolha dos títulos dos programas da emissora – guardou mamãe de novo no armário (a novela se chamaria “Quem guardou mamãe no armário?”) e adotou o nome do animal como título da próxima novela das 19h, que estréia em maio. A comédia de Euclydes Marinho, Leonor Bessères e Marcílio Morais conta a história de um grande equívoco que deixa três herdeiros de um império econômico com um tremendo “micro-preto” nas mãos: um procurador desconhecido que passa a deter todo o poder sobre eles e as empresas.

Por causa de um acidente de trânsito em que amassou o carrinho velho de um pobre diabo lá de Nova Iguaçu, uma empresária milionária fica com documentos e endereço do rapaz para mais tarde lhe pagar os prejuízos. Nesta mesma época, ela tinha em seu poder um modelo de procuração que daria plenos poderes provavelmente a um advogado amigo seu.  Pois um equívoco digno de novela faz com que a milionária troque as bolas e assine a procuração no nome do tal pé-rapado. Dias depois, a milionária de cerca de 60 anos – que namora o jovem Astor (Marcos Frota) – some misteriosamente. Alguém tem de assumir a direção de seu conglomerado de empresas, no qual seus filhos ocupam cargos de chefia. Mas quem?

Para desespero do Vice-Presidente, Fred (José Wilker), do Diretor de Relações Públicas, Zé Luís (Miguel Falabella), e do Diretor Comercial, Rodolfo (Tato Gabus Mendes), nenhum deles poderá ocupar o lugar da mãe na Menezes Garcia Eletrônica. O procurador legal da Dona Áurea (Márcia Real) é Firmino (Luís Gustavo), funcionário público da Prefeitura de Nova Iguaçu, homem simples, honesto e sem ambições. Ao saber que, por força de um documento  registrado em cartório, deve assumir a dianteira dos negócios de um grande grupo econômico, ele não foge da responsabilidade.  O poder que Firmino passa a ter nas mãos e sua capacidade de não se deixar corromper são o recheio da história:

– Ele não é transformado pelo poder. Continua o mesmo cara de antes, só o que muda é a vida dele – conta Marcílio.

Firmino continua morando em Nova Iguaçu e apenas ganha de volta a namorada, Sarita Montiel de Souza (Glória Pires), que pensara em trocá-lo por um casamento de aparências com um Deputado candidato ao Governo do Estado. Sarita engana o ingênuo Firmino sobre seu trabalho, que ele pensa ser o de acompanhante de uma velhinha doente. Ela, na realidade, trabalha como garota  de programa em uma boate. Como não quer continuar levando essa vida por muito tempo, desmancha o namoro com Firmino, que não tem o menor futuro como funcionário público.

O Deputado Zé Maria (Marcelo Picchi) é um solteirão convicto que se vê numa situação difícil quando resolve disputar a sucessão estadual: uma certa fama que o persegue é capaz de manchar a reputação de um político sério. Por isso, o candidato do Partido Radical de Centro (PRC) propõe a Sarita Montiel um contrato de casamento com 50 itens.  A princípio, ela aceita. Mas quando Firmino (de quem realmente gosta) começa sua ascensão, Sarita retoma o namoro.

– Já vou avisando que ela não tem nada a ver com o tipo ambicioso e interesseiro da Maria de Fátima de “Vale tudo”. Sarita não quer status. Ela quer é ter dinheiro para se divertir, sair, viajar, comer e beber bem, enfim, ser feliz. Nada mais – garante Leonor Bassères.

O advogado amigo de Áurea que provavelmente seria indicado por ela como procurador e Honório (Mauro Mendonça), um antigo funcionário da firma. Ele é casado com Marialva (Eva Wilma), que tem o apelido de Neném. Cláudia (Louise Cardoso) e Marisa (Débora Evelyn) são as duas filhas do casal, que tem ainda um filho chamado Robin. Os três são apaixonados por pessoas da família de Áurea:  Cláudia por Fred, Marisa por Zé Luís e Robin pela filha de Fred. Essas “coincidências” todas são necessárias para o desenvolvimento da trama, avisa Euclydes Marinho, antes que alguém dispare o batido “somente em novela…”:

– Mas é mesmo uma novela, NE? Se a gente não juntar os personagens, nada acontece. Quando a história se passa numa cidade pequena, por exemplo, nem há a necessidade de forçar barras porque é comum que todos se conheçam mesmo. Em caso contrário, a gente tem de usar esses expedientes. E eles são perfeitamente assimilados pelo telespectador, que sabe que aquilo é apenas uma ficção – atesta Euclydes.

A subversão que os programas humorísticos vêm fazendo dos clichês de novela encontra nos autores de “Micro-preto” uma enorme simpatia. Eles acham que se deve mesmo brincar com esse tipo de coisa. Um dia depois da estréia de “A perseguida”, nova novela da “TV pirata”, os três repetiam às gargalhadas o mote que encerra o principal mistério da novela: “quem soltou a rosca de Vidigal Mourisco?”. Uma escrachada brincadeira com o lendário “quem matou Odete Roitman?”

“Que fim levou a milionária Áurea?” – se perguntarão os telespectadores logo no começo da novela. A solução desse mistério fica mais para adiante, mas os autores têm pelo menos duas desconfianças do que pode ter acontecido com ela.  Eles não contam nada, mas deixam escapar que o ambicioso Fred – principal antagonista de Firmino – pode ter alguma coisa com o sumiço da mãe.

Um último dado curioso: Firmino carrega a inusitada alcunha de Jerico. A história do apelido é das mais interessantes:

– Quando ele entrou para a Prefeitura de Nova Iguaçu, não se podia contratar ninguém. Só havia dinheiro para o aluguel de um jerico. Então ele ficou sendo pago com a verba do jerico. Daí ficou o apelido – lembra Marcílio.