Em 2003, encontrei Moacyr Scliar num voo. Não o conhecia mas imaginei que, como eu, ele estava indo a um seminário sobre direitos autorais em Recife. Puxei papo e ele me disse que faria uma palestra sobre a questão em que estava envolvido, o pretenso plágio do seu livro “Max e os felinos” por Yann Martel, autor de “As aventuras de Pi”. E me explicou que, apesar de haver uma expectativa internacional de que processasse o canadense, não o faria, porque afinal o cara tinha pegado apenas a ideia e ele não estava a fim de entrar num litígio.
O livro do Scliar eu conhecia mas o do Martel só li recentemente, estimulado pelo lançamento do filme. Minha impressão foi de que toda a primeira parte do romance, a apresentação do personagem, é claramente construída com o objetivo único de colocar todos os pressupostos necessários para a realização da parte principal, ou seja, a história do garoto num bote com um tigre, que é a ideia do livro do Scliar, escrito 20 anos antes, com a diferença de ser um jaguar. Ou seja, a ideia do Scliar é o núcleo e a razão de ser do romance do Martel. No prefácio do livro, este diz: “Já a centelha de vida devo ao Sr. Moacyr Scliar”. Apenas este escasso reconhecimento.
Outro dia, mexendo na estante, me deparei com “Max e os felinos” e reli rapidamente a parte do cara com a fera no barco, agora podendo avaliar o tamanho da “centelha”. E concluí que é imensuravelmente mais que isso. Talvez em termos jurídicos não se caracterizasse um plágio, mas o mínimo que o Martel deveria ter feito era se prostrar aos pés do Scliar e lhe agradecer humildemente pela fama e pela grana que angariou. Sem a “centelha” do mestre brasileiro ele não teria criado nem a mais pálida luzinha.