A propósito da prisão do Dirceu. Recordações dos tempos da ditadura

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Embora não goste do PT – desde sempre -, a prisão do Dirceu não me deixa feliz. Pelo contrário. A sensação é de constrangimento, uma espécie de vergonha pela nossa geração.

Só estive pessoalmente com o Dirceu uma vez: no congresso da UNE de 1967, realizado no interior de São Paulo. Esta é uma história que pouca gente conhece. Eu era vice-presidente da UNE na ocasião, eleito de maneira bastante peculiar, que conto a seguir.

O congresso de 1966, na verdade, não aconteceu. Ninguém conseguiu chegar ao local, em Belo Horizonte, onde se realizaria, por causa da violenta repressão. Em vez do conclave, os representantes das organizações clandestinas que dominavam a entidade, três pessoas, se reuniram e dividiram a composição da diretoria. Seriam cinco cargos para a Ação Popular, AP; três para a Política Operária, POLOP (que depois viraria COLINA, onde militou a “presidenta”); e dois para o Partido Comunista Brasileiro, PCB (o partidão, como era chamado). Cada organização indicaria seus membros e se anunciaria que o congresso foi realizado. Como eu tinha sido suspenso da faculdade por fazer parte do diretório  acadêmico livre, ilegal, a direção do PCB me consultou, eu topei, e assim fui “eleito” vice-presidente da UNE.

Nesta época, a esquerda estava profundamente dividida entre aqueles que pregavam a luta armada e os que achavam suicida este caminho, defendendo meios pacíficos de luta, apesar da estreita margem legal que restava. O rompimento definitivo entre as duas tendências aconteceu, no âmbito do movimento estudantil, no congresso de 1967. Dirceu – sarcasticamente apelidado de “leão da PUC”, por causa da cabeleira e também pela fama de comer todas as meninas do seu quintal – era um dos líderes dos autointitulados “revolucionários”, que venceram e excluíram da UNE os que eles denominavam “reformistas” – o PCB e alguns independentes. Uma decisão altamente sectária e antidemocrática. (Se depois tivessem tomado o poder, provavelmente me fuzilariam.)

Mas a luta armada, como prevíamos, nunca teve a mais ínfima possibilidade de vencer. Os guerrilheiros pouco mais conseguiram fazer que assaltar bancos (desapropriar, na linguagem revolucionária) para financiar a “mobilização das massas”, que jamais aconteceu. Foi um desvario que serviu de pretexto para os mais alucinados setores da ditadura desfecharem a brutal repressão que arrastou para o abismo não apenas os tais “revolucionários” como o resto da esquerda e todos os setores democráticos.

Algum tempo depois daquele congresso, após algumas viagens ao Leste Europeu, me desliguei do partidão e nunca mais me filiei a nenhum partido. Dirceu seria preso no ano seguinte. Foi trocado pelo embaixador americano e banido. Voltou ao país clandestinamente e fez carreira política na democratização, fundando o PT (meu personagem Guido Flores, de “Plano Alto”, tem um pouco dele).

Tudo para acabar do jeito que vemos. E ainda abandonado pelos seus companheiros. Lamentável.