Armadilhas que o Brasil constrói para si próprio

Rio_degradado

Vejam o artigo deste arquiteto, in O Globo:

11/04/2015 0:00

Perguntar não ofende

Crescimento vertiginoso da Barra não estaria contribuindo de alguma forma para o esvaziamento e a decadência de alguns bairros tradicionais da cidade?

Não há a menor dúvida de que as obras de mobilidade urbana que estão sendo realizadas no Rio, neste momento, irão refletir de forma significativa na organização espacial da cidade. Considerando a expansão do metrô, a ampliação do Elevado do Joá, a implantação do BRT interligando a Barra a Santa Cruz, Deodoro, Galeão e, através de conexões, ao Centro da cidade, poderíamos dizer — parodiando o dito popular — que todos os caminhos levam à Barra da Tijuca.

A ideia de estabelecer nessa localidade uma nova centralidade urbana teve origem no Plano Piloto da Baixada de Jacarepaguá, elaborado pelo arquiteto e urbanista Lucio Costa, em 1969, quando a cidade ainda era o Estado da Guanabara. Vivia-se, naquela época, o apogeu do urbanismo modernista que tinha Brasília como paradigma da cidade contemporânea. Sob este princípio, foi concebido o novo traçado urbanístico para a Barra da Tijuca.

Logo após a divulgação do plano, a inexplorada extensão de terra existente entre a Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes adquiriu um novo status e um potencial extraordinário para a atuação do mercado imobiliário ligado aos grandes condomínios residenciais e shoppings centers. Todavia, o sucesso desses empreendimentos dependeria da criação de um sistema viário capaz de absorver o fluxo crescente de automóveis. Para atender a esta demanda, foi construída a autoestrada Lagoa-Barra, nos idos de 1975 e, 20 anos depois, a Linha Amarela. A partir de então, a Barra não parou mais de crescer e, hoje, o metrô e o BRT irão viabilizar a desenfreada expansão imobiliária lá verificada.

Como perguntar não ofende, indaga-se se esse crescimento vertiginoso não estaria contribuindo de alguma forma para o esvaziamento econômico e a decadência de alguns bairros tradicionais da cidade? Afinal, eles não recebem investimentos públicos na mesma proporção que é aplicada na Barra. Diante do irrisório crescimento da população carioca — constatado no último Censo — percebe-se que uma grande parte da oferta de imóveis na região da Barra da Tijuca é absorvida por pessoas que trocam os seus bairros de origem por este promissor eldorado urbano, deixando para trás espaços vazios comprometedores da estrutura social e econômica desses bairros.

Ao que parece, falta ao Rio um sistema integrado de planejamento urbano que minimize as consequências negativas dessa concentração de investimentos na Barra, em detrimento de outras importantes áreas da cidade. O que vemos, hoje, é exatamente o contrário. Para viabilizar a implantação dos equipamentos olímpicos na Barra, a prefeitura adotou, como estratégia econômica, a flexibilização de critérios urbanísticos, gerando, como consequência, a ampliação da oferta de imóveis na região.

Constrói-se, dessa forma, uma nova cidade para atender exclusivamente aos interesses do momento, como se não houvesse futuro e muito menos passado. Perdeu-se a perspectiva do planejamento urbano integrado ao se olhar a cidade exclusivamente pelo foco econômico, particular e imediato. Este modelo de expansão do Rio contraria as tendências do urbanismo contemporâneo, principalmente aquelas que preconizam um tecido urbano compacto e mais adensado. Mas não é esta a corrente do pensamento que está sendo aplicada atualmente no Rio. Pelo contrário, o que se nota é uma visão ideológica que tem como verdade absoluta o decantado pragmatismo de resultados imediatos.

Para agravar ainda mais esse quadro, nos deparamos com a falta de transparência e a pressa na execução das obras. Conhecer previamente os projetos e discutir a sua influência na organização espacial da cidade é uma prerrogativa das sociedades democráticas que não pode ser desprezada. Mas, infelizmente, continua prevalecendo o princípio do fazer primeiro e discutir depois. O noticiário cotidiano vem mostrando, enfaticamente, o quanto essa prática é nociva para o Brasil e para a nossa sociedade.

Luiz Fernando Janot é arquiteto e urbanista

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