Talvez o maior problema do Brasil nas últimas décadas tenha sido o uso inapropriado do mito, alguma coisa como a historinha do aprendiz de feiticeiro. Nesta última eleição, surgiu um candidato que era ele próprio o “mito”, nas palavras dos seus seguidores. Mito de si mesmo ou sabe-se lá do quê: Bolsonaro. O que veio antes funda-se em tradições mais reconhecíveis, o mito do operário revolucionário liderando a classe capaz de redimir a humanidade. Lula teria encarnado esse “mito”.
Se for apurar, tem nada a ver, nem estes nem outros pretensos mitos que se poderia listar (Dilma, mito da mandioca; Temer, do vampiro; Collor, do caçador de maracujás; Jânio, da vassoura; etc.)
Isto acontece porque o povo brasileiro não sabe o que é mito. A melhor explicação que conheço foi dada pelo nosso poeta maior, Fernando Pessoa. Leiam com atenção, é perfeitamente clara, didática, até uma criança de cinco anos é capaz de entender. Se o pretendente a mito não se enquadrar na definição do velho Pessoa, deixe-o para lá e vote em algum candidato que queira apenas ser um bom funcionário público, que ache que o bacana é o cargo e não ele. Com vocês, o poema “Ulisses”, de Fernando Pessoa.
O mito é o nada que é tudo
O mesmo sol que abre os céus
É um mito brilhante e mudo
O corpo morto de Deus
Vivo e desnudo.
Este, que aqui aportou,
Foi por não ser existindo.
Sem existir nos bastou.
Por não ter vindo foi vindo
E nos criou.
Assim a lenda se escorre
A entrar na realidade,
E a fecunda-la decorre.
Em baixo, a vida, metade