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Exalando sofisticação, “Plano Alto” encanta e depõe contra a Record

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Ao afirmar que “os fins justificam os meios”, Nicolau Maquiavel talvez não soubesse que sua fala seria eternizada como uma das mais controversas sínteses da história da humanidade.

Quase quinhentos anos após a morte do escritor, Plano Alto utiliza a antiga frase como fio condutor de um enredo repleto de subterfúgios, reviravoltas e segundas intenções.

Dona de um texto impecável assinado por Marcílio Moraes, a minissérie da Record possui o êxito de dedicar-se a um telespectador disposto a “digerir”, e não apenas “mastigar” o que assiste, mas seus modestos índices de audiência mostram que tal fatia de público ainda não a encontrou.

Na dramaturgia, porém, os números não devem ser mais fortes do que as letras e Plano Alto possui alguns louváveis, tais como a ausência de didatismo (que torna chato o que é charmoso) mesmo tendo um tema complexo com mote, além de manter um elenco perfeitamente afinado e um ritmo que é ágil sem ser frenético, e cadenciado sem se tornar lento.

Outro ponto especial da série é a imparcialidade de seu texto. Questões espinhosas como a ação dos black blocs, a postura dos policiais em manifestações e até mesmo a legalidade das mesmas são tratadas através de diferentes pontos de vista de diversos personagens. Quando um deles fala, o telespectador tende a pensar que algo está sendo defendido pelo autor, mas, imediatamente, outro personagem defende a ideia inversa com a mesma paixão, deixando para o público o privilégio de escolher o lado certo.

Obviamente, nem tudo são flores na produção, que peca pelo excesso de discursos em momentos que poderiam contar com mais ação. Traçando um paralelo com séries americanas dedicadas à política, Plano Alto tem a densidade de House of Cards, mas poderia ter também a ação frenética de Scandal.

Para um enredo tão ousado, conflitos que giram em torno de um vídeo íntimo também parecem rasos diante da roupagem da série, que se polariza demais entre Guido Flores e Papudo, deixando outros personagens preciosos de lado. Nada, porém, que descaracterize a obra, cuja presença na grade da Record gera um enigma.

A emissora terá coragem para semear ou se limitará à ansiedade em colher? Estaria a Record disposta a dar à sua teledramaturgia o mesmo status de outrora ou seria Plano Alto apenas um investimento isolado?

Este “isolamento”, aliás, é um fator preponderante para a baixa audiência. Estivesse inserida na programação da Record de 2009 – aquela que continha três novelas inéditas e uma série -, Plano Alto teria encontrado seu público-alvo, pois estaria de acordo com o perfil da emissora. Hoje, porém, a Record é sinônimo de jornalismo, e não mais de dramaturgia.

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Curiosamente, a frase de Maquiavel se aplica à Record.

“Os fins justificam os meios”. É válido amargar baixa audiência enquanto se cativa um novo público. É bom investir pensando no amanhã, embora se pareça estar perdendo o hoje. É justificável implantar um novo filão que, futuramente, pode devolver à Casa uma antiga identidade.