Centro do Rio de Janeiro

Vale a pena ler o excelente artigo do arquiteto Sérgio Magalhães, abaixo. O abandono do Centro do Rio de Janeiro, com sua beleza, a extraordinária herança arquitetônica colonial e muito mais, é a prova viva da estupidez que há décadas se abate sobre a “Cidade Maravilhosa”, desde a desastrosa mudança da capital para Brasília, aquele reino encantado do autoritarismo e dos picaretas.chafariz da pirâmide

 

ARTIGO – SÉRGIO MAGALHÃES

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Ao se aproximar o aniversário de 450 anos da cidade, anuncia-se movimento para preparar o Rio para o seu quinto centenário. É justo.

As cidades não são fruto do acaso. As cidades são fruto de suas estruturas (sociais, culturais, econômicas, espaciais) e do que se deseja para o seu futuro. Mas o futuro não está mais lá à frente, a blindar nossas opções idealizadoras e equivocadas. Ele está aqui, construído dia a dia. Hoje, temos que tratar a cidade do presente, que se desloca permanentemente incompleta por sobre a linha do tempo.

Estudo coordenado pelo professor Mauro Osório, da UFRJ, recentemente divulgado em O GLOBO (“Centro é o motor da cidade”), informa sobre a distribuição dos empregos formais no município do Rio. Verifica-se que 37% localizam-se no Centro, 22% na Zona Norte suburbana, 18% na Zona Sul + Tijuca. Na Barra + Recreio, 7%.

Esse quadro evidencia um dos mais graves erros estratégicos cometidos pela cidade no último meio século: o projeto de esvaziamento do Centro. Mas, o velho Centro resiste.

Como sabemos, a partir da mudança da capital, o Rio reorientou seus vetores urbanísticos, estimulando a expansão a oeste. O plano “Rio Ano 2000”, de autoria do consultor grego Constantin Doxiadis, de 1963, previa criarem-se dezenas de novas centralidades e deslocar o setor industrial, da Zona Norte para novo polo em Santa Cruz. Pouco depois, o Plano Lucio Costa, para a Barra, projetava a transferência do centro metropolitano para aquela região, “o que lhe confere então condições para ser, com o correr do tempo, o verdadeiro coração da Guanabara”.

O Centro do Rio foi atingido também pelo abandono da Baía de Guanabara, cuja poluição desafia governos. E ainda pela incrível lógica de nele se proibirem novas habitações, como vigorou por trinta anos.

Nos anos 1980, foi desconstruída a frágil estrutura encarregada de planejar a metrópole. O município do Rio, seguindo o estado, foi desmobilizando seus órgãos de planejamento.

Transposto o século, a cidade metropolitana continua sem políticas e sem projetos. Os grandes eventos colheram o Rio com planos concebidos há cinquenta anos — que vieram para os canteiros de obras seguindo a lógica de então. Isto é, reforçando a ideia de desconstrução da centralidade histórica, social, econômica, política e administrativa localizada no velho Centro.

Assim, o sistema de trens, que estruturou a metrópole a partir do Centro, transporta hoje um terço dos passageiros dos anos 1970 — embora a população tenha dobrado. Igualmente, o sistema de metrô caminhou como tartaruga e não se fez em rede, mas em linha, agora também em direção oeste. Construiu-se, erro sobre erro, a metrópole que se imobiliza em automóveis e ônibus, onde 25% dos moradores gastam mais de três horas no trajeto casa-trabalho-casa, a maior parte em direção a um Centro que não se quer que esteja onde está — e para o qual não se modernizam acessos. (Veja-se no estudo: 60% dos empregos estão no núcleo Centro + subúrbios, o histórico eixo dos trens.)

O Centro está lá, há 450 anos — qual um João Teimoso. Ele constrói a identidade coletiva carioca e fluminense, como já construiu a identidade coletiva brasileira. Agora, está em nossa responsabilidade dizer como queremos o Rio no seu Quinto Centenário.

Mas, por hoje, Feliz Ano Novo!

Sérgio Magalhães é arquiteto