Getúlio Vargas

Na lista da Associação dos Roteiristas, travamos uma discussão sobre o filme “Getúlio Vargas”, em cartaz. Achei interessante reunir algumas das minhas intervenções e colocar aqui, para que outras pessoas possam ler.

Getulio_Vargas_(1930)

É o que se segue:
Ainda não assisti “Getúlio”, embora tenha alguma curiosidade. Anos atrás, trabalhei com o Ferreira Gullar numa minissérie sobre a figura, que não chegou a ser gravada.
Se for ver o filme vai ser no intuito principal de conferir se o roteiro reitera o mito ou o questiona. Esclareço que detesto o Getúlio. Um ditador sanguinário, canalha, de orientação fascista, absurdamente, a meu ver, exaltado pela esquerda brasileira. O Prestes apertando a mão dele em 45, depois de anos preso pelo próprio e de ter sua mulher entregue aos nazistas pelo “pai do povo” é dos episódios mais deploráveis da história brasileira.
E no final, na hora da verdade, Gegê, a exemplo do seu mentor, Hitler, ainda se suicida, fazendo-se de vítima e jogando sobre a nação esse Carma que até hoje nos contamina.

Ninguém nega que Getúlio seja um grande personagem. Ricardo III de Inglaterra também é. Com ele, Shakespeare fez uma peça imortal.
Uma coisa é a riqueza dramatúrgica de um personagem; outra, o efetivo papel que a figura que representa teve na história. A meu ver, a atuação de Getúlio na história do Brasil foi desastrosa, não para ele, claro, mas para nós.
Ricardo pediu um cavalo para continuar na batalha e morreu lutando. Já Getúlio, escolheu o papel de coitadinho, de vítima, e saiu da história deixando para o país o “inverno do nosso descontentamento”.
E pelo que eu saiba, ainda não inspirou nenhuma obra imortal.

Pela famosa “carta” que ele deixou, tão explorada politicamente logo em seguida e nas décadas seguintes, o que fica claro é que ele matou-se por cálculo político, certamente misturado com autopiedade.
Ou então se matou só pela vergonha. Pode-se escolher.

É até uma hipótese interessante. Os sanguessugas que o cercavam teriam planejado o assassinato e escrito a carta, para se beneficiarem dela, como de fato se beneficiaram. Até hoje ainda se explora o sangue do “pai dos pobres”. Mas para planejar uma ação desta magnitude, a corja que mamava no palácio teria de ser mais inteligente que o “bom velhinho”, o que não era verdade.
Não. Ele mesmo escreveu aquela carta que, se analisada por um olhar médico (psiquiátrico) revela um demente paranoico que se acha o único defensor do povo: “Tenho lutado… para defender o povo que agora se queda desamparado”. Mas se analisada por um viés político revela o mentor maquiavélico ensinando o caminho das pedras aos seus acólitos, ou seja, instruindo-os na retórica demagógica que até hoje prevalece e surte efeito: obscuras “forças e interesses” mancomunados contra o povo; o líder como vítima de calúnias e insultos; a espoliação do país pelos grupos financeiros e econômicos internacionais; o líder se fazendo de mártir, “meu sacrifício ficará para sempre”, e por aí vai.
Eu gostaria que nós, os brasileiros, conseguíssemos nos livrar desse carma infeliz.

E ainda tem as histórias em torno do Getúlio.
Conta-se que certo dia o “pai dos pobres” manifestou a vontade de entrar para a Academia de Letras. A Casa de Machado ficou em polvorosa. Não porque sequer passasse pela cabeça de qualquer dos membros questionar a pertinência de ter o presidente entre eles. O problema é que não havia vaga. Como se sabe, os imortais só são substituídos quando morrem. Foi então que um dos maiorais que abrilhantavam a casa, emocionado, tomou da palavra. Argumentou ser inconcebível que tão ilustre intelectual, como era o chefe da nação, ficasse fora da Casa. Para superar a questão da vaga, se ofereceu para suicidar-se.
Não vou declinar o nome da figura a quem se atribui tal “desprendimento cívico”. Quem quiser que pesquise.
O que me pergunto é o que aconteceria com um roteiro de filme ou série de TV escrito com a visão crítica sobre Vargas que eu explicitei aqui, no Brasil atual? Temo que enfrentaria graves problemas.

A mim, o que mais surpreende na mitologia que se criou em torno de Getúlio Vargas é que conseguiram vendê-lo para a história como um democrata. Logo ele, rematado golpista, ditador por convicção, que desprezava profundamente os princípios democráticos (basta ler os textos que ele próprio escreveu, o que, por infelicidade, poucos fazem). A volta dele em 1950 deve ter soado àqueles que lutaram contra a ditadura de antes de 45 como soaria o retorno de Mussolini ao governo da Itália. Era um escárnio, só possível pela ação da máquina que Getúlio tinha montado em 15 anos de poder e que, claro, Dutra deixou intacta no Estado brasileiro. No novo período de governo, evidentemente, o retrospecto da figura presidencial tornava prováveis todas as expectativas de golpe que se pudessem imaginar.
Em 54, o líder oposicionista, Lacerda, sofre um atentado a bala, do qual escapa por milagre. As investigações conduzem ao homem de confiança do “paizinho dos pobres”, dentro do palácio, Gregório. Acuado, Getúlio se mata e “milagrosamente” consegue sair do imbróglio como democrata, vítima dos golpistas. É espantoso. Só mesmo no Brasil.
Para quem quiser saber quem foi realmente Getúlio Vargas, existe bastante literatura, embora esquecida e marginalizada hoje em dia. Como exemplo, sugiro “Falta alguém em Nuremberg”, de David Nasser, um jornalista que viveu aquela época. Como se sabe, Nuremberg foi a cidade alemã em que os aliados julgaram os líderes nazistas depois da guerra. Veja no link:
http://www.dhnet.org.br/verdade/resistencia/livro_david_nasser_falta_alguem_em_nuremberg.pdf
Adianto um trecho do prefácio, em que ele compara a polícia getulista com os nazistas:
“Os policiais brasileiros esmagavam testículos com uma espécie de alicates, a que chamavam pelo diminutivo de “anjinho”, corruptela de Higino, nome do escrevente da polícia que os inventou. Os nazistas alemães matavam seus presos e faziam sabão com os cadáveres. Os policiais brasileiros do Sr Getúlio Vargas enfiavam arames nos ouvidos dos presos. Os nazistas alemães faziam experiências científicas com os recolhidos aos campos de concentração. Os policiais brasileiros enfiavam arames na uretra dos presos e, com um maçarico, aqueciam esses arames até ficarem em brasa. Os nazistas alemães executavam os presos em câmaras de gás. Os policiais brasileiros apertavam o crânio dos presos até que eles morressem ou enlouquecessem.”
Boa leitura.