Gullar – 90 anos
Fui amigo do Ferreira Gullar por mais de 30 anos. Escrevi com ele vários trabalhos na televisão e com ele bati alguns dos melhores papos da minha vida. Eu o admirava desde sempre, como poeta e intelectual, mas só o conheci pessoalmente, apresentado por um amigo comum, Antônio Luiz, em 1984. O Gullar precisava de alguém para ajudá-lo numa minissérie que escrevia para a Globo. Seu parceiro, o saudoso Armando Costa, havia falecido. Além do trauma da morte, tinha ficado a série, inacabada. Eu já era um dramaturgo experiente, no teatro. Mostrei minhas peças e o Gullar me convidou. Foi assim que comecei na televisão, com ninguém menos que o poeta Ferreira Gullar. E nos tornamos bons amigos. Voltamos a escrever juntos “Noivas de Copacabana” e “Dona Flor e seus dois maridos”, com o Dias Gomes, além de outros trabalhos. Hoje, 10 de setembro, ele completaria 90 anos. A lembrança que a data evoca quase me deu um nó na garganta. Mas resisti. Tudo que recordo do Gullar são momentos de alegria, de inteligência, de coragem, de risadas e companheirismo. Não vou estragar essas imagens. A melhor homenagem é ler uma gota do mar de palavras que ele nos deixou, como os primeiros versos do “Poema Sujo”:
turvo turvo
a turva
mão do sopro
contra o muro
escuro
menos menos
menos que escuro
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo
escuro
mais que escuro:
claro
como água? como pluma?
…