As grandes manifestações de 68, no Brasil, começaram no final de março com a reação ao assassinato pela polícia de um secundarista, Edson Luis, morto num dos costumeiros protestos que se faziam no restaurante do Calabouço, um fétido comedouro para estudantes que ficava perto do aeroporto Santos Dumont e da Faculdade de Filosofia, FNFI, onde eu estudava (ou agitava), no Rio de Janeiro.
A estúpida violência policial conseguiu numa noite o que o movimento estudantil não conseguira em quatro anos de incansáveis panfletagens, comícios, discursos, greves, manifestos e pichações: incendiou as massas.
As passeatas em que, com muito esforço, juntávamos 200, 300 estudantes, a maior parte dos quais militantes das diversas organizações clandestinas de esquerda, de repente passaram a reunir três, quatro, cinco mil pessoas sem envolvimento político, massa mesmo, num crescendo que culminou com a famosa passeata dos cem mil, em junho.
Nesta, não houve qualquer tipo de repressão policial. A massa desfilou pela avenida como um rio caudaloso e suave que dava a impressão que iria arrastar a ditadura para o buraco da história. Estranhamente, quando a passeata terminou, ao invés de euforia, senti um incômodo vazio. Perguntei: e agora, o que vai acontecer? É o fim da ditadura? O Costa e Silva vai renunciar e entregar o poder para a gente? A gente quem? E nós, as autoproclamadas forças democráticas, que atitude tomaríamos?
A ditadura ficou na dela. O General Costa e Silva recebeu uma comissão de estudantes e intelectuais (sim, sempre a classe média), ouviu as reivindicações de liberdades democráticas, fim da censura, etc, e não atendeu nenhuma, claro.
Já as forças democráticas se dividiram. As pessoas sem envolvimento partidário se recolheram; a esquerda moderada, “reformista”, no dizer depreciativo dos radicais, continuou a lutar como podia dentro dos estreitíssimos limites da legalidade; e a autoproclamada esquerda “revolucionária”, da qual muitos militantes estão hoje no poder, partiu para quebrar o pau, literalmente: passeatas cada vez mais sectárias, com 50, 60 militantes confrontando a polícia, assaltos a bancos, enfim, a luta armada. No fim do ano, a ditadura promulgou o AI-5, acabando com o tiquinho de liberdade que ainda restava. Aí começaram os anos de chumbo, vieram os sequestros de embaixadores, tortura desenfreada e o resto da desgraça.
Por que me lembrei dessa triste novela? Terá alguma relação com o que ocorre hoje no país? Algumas semelhanças existem, como a repressão policial dar o impulso que o movimento precisava para se espraiar. Mas parece que, parece, repito, contrariamente ao que acontecia na década de 60, em que a agitação era liderada por movimentos clandestinos, hoje tudo se organiza pela internet, espontaneamente, sem condutores, conhecidos ou não.
No entanto, não sei bem por que, tenho sido incomodado por um sentimento de vazio parecido com aquele de 68.