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Entrevista que concedi ao portal RD1, a respeito da exibição em streaming da novela “Roda de Fogo”, que escrevi com o Lauro César Muniz, em 1986
Marcílio Moraes, autor de Roda de Fogo; novela estrelada por Tarcísio Meira, na pele de Renato Villar, chega ao Globoplay em breve (Imagens: Reprodução / Marcílio Moraes – Globo)
Clássico dos anos 1980, Roda de Fogo chega ao Globoplay no próximo dia 26. A novela de Lauro César Muniz e Marcílio Moraes gira em torno de um grupo de empresários, políticos e remanescentes do Regime Militar interessado em levar Renato Villar (Tarcísio Meira em excelente momento) à Presidência da República. Mas uma sentença de morte – que lhe causa, literalmente, fortes dores de cabeça – e a paixão por Lúcia Brandão (Bruna Lombardi) fazem Renato rever os planos.
Em seu Facebook, Marcílio repercutiu a nota da coluna Curto-Circuito sobre a estreia da trama no streaming. “Adoraria escrever uma nova ‘Roda de Fogo’, com a realidade de hoje em dia. Pena que as direções das emissoras não têm coragem para encarar um desafio desses”. Procuramos Moraes para que ele falasse mais a respeito deste desejo. O resultado desta conversa é a contundente entrevista, sobre dramaturgia e política, que o leitor confere abaixo.
“Falei da vontade de retomar ou revisitar a novela ‘Roda de Fogo’, antes de tudo, porque gosto de escrever sobre política. Meus trabalhos mais recentes, na Record, tinham forte viés político. Em ‘Vidas Opostas’, me vali da visão e mesmo da estética da esquerda. A novela era inspirada numa peça de (Félix) Lope de Vega, ‘Fuenteovejuna’, que os críticos marxistas apontam como a primeira obra de dramaturgia a ter o povo como protagonista. Já ‘Ribeirão do Tempo’ se inspirava num romance direitista de crítica avassaladora ao movimento revolucionário de esquerda, ‘Os Demônios’, de (Fiódor) Dostoiévski. E escrevi também a minissérie ‘Plano Alto’, no calor das manifestações de 2013, que antecipou tudo o que veio a acontecer depois: denúncias de corrupção, Lava-jato, impeachment, etc. Até a mim surpreende o quanto aquela série teve de profética”.
Curto-Circuito – O que não poderia faltar numa nova versão de Roda de Fogo?
Marcílio Moraes – O primeiro paralelo que estabeleço é que a novela foi ao ar no final da ditadura, e hoje a gente vê ameaças de volta à ditadura, pessoas nostálgicas daquele tempo. A comparação entre esses dois momentos certamente não poderia faltar: o fim de uma era e a tentativa de revivê-la.
O Renato Villar era um personagem autoritário, corrupto, egoísta, mau pai, que, sabendo que tinha uma doença fatal, tentava refazer sua vida e recuperar valores que havia abandonado. No passado recente do Brasil, tivemos a Lava-jato, que avançou na luta contra a corrupção e agora é questionada. Dá para estabelecer uma similitude reversa entre este movimento e aquele da novela: da corrupção para a redenção, por um lado, da redenção para a corrupção, por outro.
Estou falando em termos ficcionais, bem entendido, não vai aqui nenhuma acusação ou defesa de quem quer que seja.
Curto-Circuito – Quais discussões de Roda de Fogo continuam pertinentes?
Marcílio Moraes – As que acabei de citar e outras. Visto numa abrangência de tempo maior, o Brasil é muito repetitivo. A discussão sobre a tortura durante o regime militar, por exemplo, personificada na personagem Maura, interpretada pela Eva Wilma, não deixou de ser travada até hoje.
Outra discussão seria a ética na aplicação da Justiça, que os personagens do Juiz Labanca, interpretado pelo Paulo Goulart, e da Juíza Lúcia Brandão, Bruna Lombardi, traziam ao enredo. E outros…
Curto-Circuito – O que mudou de 1986 para 2021?
Marcílio Moraes – Como já disse, o Brasil é muito repetitivo. As novas questões, as modas políticas, intelectuais, comportamentais que surgem no mundo são incorporadas à vida brasileira, mas o cerne dos nossos problemas, das nossas injustiças, das nossas misérias continua intacto.
De lá para cá, conseguimos estabelecer uma democracia que, apesar dos tumultos, tem se mantido. Quer dizer, temos algumas instituições fortes. Mas as concepções atrasadas, o moralismo obtuso, a picaretagem, a corrupção, a precariedade dos valores da cidadania, tudo isso continua aí.
O Renato Villar, apesar dos seus traços vilanescos, conquistava o público porque, diante da iminência da morte, tentava resgatar a dignidade perdida.
Era um caso especial, porque a maior parte dos empresários corruptos daquele tempo não queria resgatar nada, tanto quanto os de hoje. Está aí a pandemia que não me deixa mentir: mesmo diante da morte, alguns poderosos continuam preocupados exclusivamente em manter privilégios e vantagens.
Não faltaria assunto para uma nova Roda de Fogo, sem dúvida.
Duh Secco e Daniel Ribeiro em 17/04/2021