Qual o dever ético da mulher que ama?

Tem uma questão em “Sonho Meu” que eu gostaria de pôr em debate, aproveitando a reestreia. Por favor, vejam:
Moça de origem humilde, Cláudia, a protagonista, encanta o dono da fábrica em que trabalha, se apaixona e casa com ele, sem revelar que já era casada. Por sofrer violência doméstica, ela tinha fugido do marido e se perdido da filha. O maridão brutamontes reaparece e ela, para proteger a filha e a si própria, sustenta a bigamia, enganando tanto o cônjuge vilão quanto o mocinho amado. Esta era a situação dramática planejada para a novela, numa certa etapa.
Pois bem, quando a trama chegou nesse ponto, fui informado que a direção da emissora estava em polvorosa, que a audiência perigava cair por causa da reação do público que não admitia o fato da protagonista “enganar o homem que ama” (sic). Teriam recebido cartas (quantas?) com estes argumentos. A pressão foi enorme para que eu desse fim imediato naquele imbróglio. Fui constrangido a ceder e dar uma solução abrupta e não muito verossímil à trama.
28 anos depois, pergunto que postura teriam os movimentos de proteção à mulher sobre esta situação. Cláudia, minha personagem, tinha mesmo o dever ético de revelar ao marido, que ama e que a faz feliz, uma verdade que acabaria com a felicidade dos dois e poria em risco a ela e sua filha, além do próprio bom marido, que se veria sujeito à violência do mau?

Porque, se na ficção, não foi difícil livrar a cara da protagonista, na vida real, ela estaria frita. Basta acompanhar as estatísticas de feminicídio no Brasil. Minha personagem não era uma “young lady” da Jane Austen, era uma mulher brasileira do povo, que não vivia de abstrações. O que nos traz a questão de gênero, se o personagem fosse homem, o pretenso público mandaria cartas alegando que ele não podia “enganar a mulher que ama”?

Como autor, eu resolveria dramaticamente o conflito com toda a tranquilidade, ao longo da novela, tinha isso pensado, claro, não carecia da interferência de diretores acuados por um bando de carolas, se é que tal bando tinha de fato existência concreta.

Então, deixo a pergunta: qual o dever ético da mulher que ama? Contar a verdade para o amado, em qualquer circunstância, ainda que lhe custe a vida?

https://observatoriodatv.uol.com.br/noticias/sonho-meu-estreia-no-canal-viva-na-proxima-segunda-feira