Amigos me perguntam por que um cara com a minha experiência e sucesso não está escrevendo para o streaming. Também me surpreendo. Quando saí da Record, no final de 2019, achei que o novo mercado que se abria – produção independente (antiga luta nossa), plataformas internacionais, etc. – me daria oportunidade de realizar projetos que nunca pude desenvolver nas TVs abertas. Mas não tem sido assim. As sondagens que fiz foram infrutíferas. As respostas que obtive foram invariavelmente vagas e negativas.
Por que será? Embora velho, me sinto em forma. Claro que, na minha idade, só escrevo o que quero, não vou me submeter ao comando de ninguém. Acho que esse pessoal que manda hoje em dia sabe disso, ou intui, e esta talvez seja uma das razões por que não querem saber de mim. Mas há outras. Pelo que posso depreender, os mandachuvas hoje se agarram unicamente ao projeto. Que tipo de projeto, exatamente? Isto eles não sabem te dizer. Cabe a você sacar alguma ideia que os ilumine e que eles achem que pode funcionar. Aí, pelo que ouço dizer, te propõem um contrato leonino, no qual você abre mão de tudo, inclusive, se eles acharem por bem, da autoria, porque eles podem decidir que a tal sala de roteiro vai fazer o trabalho melhor que você. Bem, felizmente, cheguei a um estágio de vida que posso dispensar contratos desse tipo.
Na Globo, e em parte também na Record (quando teve uma dramaturgia laica), os diretores de dramaturgia tinham noção relativamente clara que queriam, porque havia uma tradição sedimentada de programação, o que tornava as deliberações mais fáceis. Mas fundamentalmente o que os caras do poder tinham que decidir era quem ia escrever, porque aí é que está o nó da questão, a chave do sucesso, seja em novelas, séries, o que for. Um projeto pode ser muito bom, mas se estiver nas mãos erradas, vai fracassar. Autores que escrevem bem histórias românticas se dão mal numa trama policial, por exemplo, ou vice-versa. Tem gente que é boa de comédia ou de chanchada e estraga um enredo dramático. E não adianta misturar gente com diferentes habilidades como numa vitamina de frutas. Na dramaturgia, a matemática é outra. Nem sempre um + um somam dois, ou um + dois, três. Às vezes somam zero, somam nada, porque não funciona. E não adianta juntar um + 9, porque o resultado pode ser 10 zeros à esquerda. Em arte, o que conta é a qualidade, não a quantidade.
Na realidade do streaming a insegurança e a falha dos mandões atuais me parece que vêm daí. Valorizam apenas o projeto, embora não saibam dizer o que querem, a priori. Quem vai escrever, para eles, é secundário, questão de conveniência empresarial.
Hoje não é mais aquele negócio de uma novelinha engraçada para as sete horas ou mais sisuda para as nove ou uma série de vez em quando para angariar prestígio. Agora quem faz a programação é o espectador. Ele consulta um catálogo e escolhe: quero ver isso aqui. Como adivinhar as preferências dele?
Em termos de Brasil, neste novo mercado, arrisco dizer que ninguém sabe: nem produtores, nem exibidores, o que não significa que muitos não se achem sabichões. Então, fazer um projeto é como praticar tiro cego ao pombo, muitas vezes sem pombos voando por ali.
Voltando à questão inicial – por que não estou escrevendo para o streaming -, me ocorre que, além de tudo que ficou dito, há o fato de que meus projetos, desde o início da minha carreira, têm dimensão crítica. Raras vezes pensei apenas no entretenimento – Umberto Eco dizia que o objetivo principal do folhetim era consolar –, meus personagens não são maniqueístas, a trama é construída com ironia, me coloco sempre o desafio de divertir e fazer pensar ao mesmo tempo, sem vitimismo de um lado e heroísmo de outro (e acertei, pelo menos algumas vezes). Acho que é também por isso que passam longe de mim. Tal tipo de dramaturgia não cabe no streaming, pensam. Será?