O Crime da Gávea – O Globo

Roteirista de ‘O crime da Gávea’ questiona autoria do filme para o diretor

Titularidade de thriller com Simone Spoladore será atribuída a Marcílio Moraes, e não ao cineasta André Warwar

Titularidade de thriller com Simone Spoladore será atribuída a Marcílio Moraes, e não ao cineasta André Warwar

POR FABIANO RISTOW

RIO – “Um filme de…”. Essas são as três palavrinhas recorrentes em créditos finais ou em cartazes de filmes e que normalmente são sucedidas pelo nome do diretor. Mas qual regra determina que é o cineasta quem deve assinar a autoria de uma obra cinematográfica? O roteirista petropolitano Marcílio Moraes quer ressuscitar esse questionamento com o lançamento, no dia 9 de março, de “O crime da Gávea”.

Responsável pelo texto de novelas como “Roque santeiro”, “Roda de fogo” e “Irmãos coragem”, Moraes é o dito “autor-roteirista” do thriller, estrelado por Simone Spoladore e Ricardo Duque. “O crime da Gávea” é, assim, “um filme de Marcílio Moraes” — ainda que a direção esteja a cargo de André Warwar, estreante em longas-metragens.

— Pela lei, os titulares de uma obra audiovisual são o roteirista, o músico e o diretor. O que se discute é esse “um filme de…”. Quem fala pelo filme? — pergunta Moraes.

A discussão sobre a autoria de um filme não é inédita entre realizadores e críticos. O mexicano Guillermo Arriaga, inclusive, já falou abertamente sobre um atrito que teve com o cineasta Alejandro G. Iñárritu, cujos três primeiros longas — “Amores brutos” (2000), “21 gramas” (2003) e “Babel” (2006) — foram escritos por ele. Em entrevista ao jornal inglês “The Guardian”, Arriaga acusou o colega de ter quebrado um “acordo de cavalheiros” quando Iñárritu se recusou a compartilhar a autoria dos filmes que fizeram juntos.

“Não temos mais um relacionamento. É muito triste”, disse o roteirista na entrevista, publicada há oito anos.

No caso de “O crime da Gávea”, não houve ressentimentos. A autoria foi discutida com o diretor André Warwar, que concordou com a decisão. Assim, o cartaz do longa terá as frases “um filme de Marcílio Moraes” e “direção de André Warwar”. O motivo, explica o Moraes, são vários:

— Também sou o produtor. O romance no qual o filme é baseado é meu. Terminadas as filmagens, meus sócios e eu assumimos o controle. Cuidamos da pós-produção, da montagem e da trilha sonora. O corte final é meu. Isso tudo, claro, sem prejudicar o trabalho do André, que ficou mais responsável pela direção do set.

Ele reforça o argumento lembrando como os créditos costumam ser dados em outras plataformas:

— Na televisão, por exemplo, diz-se que uma novela é “do Manoel Carlos”, e não do diretor. Inclusive acredito que a TV brasileira deu muito certo porque apostou nos textos. O cinema está perdendo um pouco nesse sentido.

Na opinião de Moraes, no entanto, não há uma receita para determinar quem deve assinar um projeto cinematográfico. Afinal, a produção de um filme é um processo complexo, e cada caso é um caso.

— Os filmes do Bergman e do Fellini têm uma marca pessoal e artística deles. É claro que os filmes são deles. Mas hoje existe um consenso de que o trabalho artístico é simplesmente do diretor. É um dado absoluto de ponto de partida. Isso não deveria ser regra, especialmente no Brasil — diz. — Aqui, a figura do roteirista ficou um pouco apagada, ainda mais depois da cultura do “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. A autoria ficou concentrada no set. Esquece-se que muitas vezes há uma obra literária por trás, um roteiro no qual está a principal dramaturgia.