Texto: Paulo Mohylovski [e roteiristas do GRTV]
Dezembro/2010
Marcílio Moraes iniciou escrevendo teatro nos anos 1970. Nos anos 1980, começou a escrever novelas em parceria com autores renomados como Dias Gomes, na TV Globo. Ficou anos na emissora carioca, mas quase sempre insatisfeito e frustrado, já que seus projetos nunca eram escolhidos para ir ao ar. Decepcionado, Marcílio foi para a TV Record em meados dos anos 2000, onde se tornou um autor do primeiro escalão. Por fim, teve o seu talento reconhecido como de primeira grandeza. Nunca mais seria tratado como autor de segundo time. A prova disso são as tramas que criou para a TV Record: Vidas Opostas e a o seriado A Lei e o Crime. Uma delas continua no ar — a novela Ribeirão do Tempo — em horário nobre. Como Marcílio arrumou tempo para responder esta entrevista é um daqueles mistérios de novela, já que o próprio autor se diz “indisciplinado e preguiçoso”, mesmo tendo que escrever um capítulo por dia. Imagine se não fosse… [Paulo Mohylovski, que nesta entrevista contou com a colaboração dos roteiristas do Grupo de Roteiros de Televisão do Yahoo – GRTV]
Você é um autor que sempre tentou levar um sopro de renovação para a teledramaturgia. Entretanto, os elementos do folhetim do século dezenove ainda persistem em quase todas as novelas. Basta examinar o livro Folhetim, de Marylise Meyer (recentemente falecida), para comprovar a veracidade dessa informação. E quando uma novela não tem esses elementos, o público a rejeita e parece mesmo que ela não funciona. Afinal, o autor de novelas está condenado a repetir esses elementos ad infinitum para obter sucesso?
Uma obra de 200 capítulos, exibida diariamente, impõe certas regras para se sustentar. Entre elas, os elementos clássicos do folhetim — os mistérios, os amores proibidos, etc. —, porque são eles que seguram o público, que o levam a ver o capítulo seguinte. Quer dizer que há mesmo uma condenação a repetir os velhos truques. Mas isso não significa que não se possa variar, que não se possa meter ingredientes críticos, satíricos, irônicos ou o que seja em meio aos recursos tradicionais.
A sociedade industrial criou milhões de vidas rotineiras (de trabalhadores a donas de casa). Essa multidão entediada era o público dos folhetins e agora é o público das novelas. O importante é viver outras vidas que não as suas, ou seja, ainda é o escapismo que leva o público para frente da TV?
Eu não diria que a intenção primordial do público é escapar da dura realidade. Prefiro a análise do Umberto Eco que afirma que a função primordial do folhetim é consolar. Ou seja, na novela o espectador sabe que em algum momento o ferrado vai conseguir virar o jogo e se dar bem, que o amor impossível vai, de alguma forma, se realizar. Sem essa esperança por parte do espectador de que no final as coisas vão se arranjar satisfatoriamente, a novela (nenhum folhetim) se sustenta. O público quer ser consolado nas suas frustrações.
Ainda falando sobre o folhetim: mesmo esse gênero aparentemente fixo teve suas renovações. Uma delas foi abordar o aspecto social, como o caso do folhetim Mistérios de Paris, de Eugene Sue. Entretanto, no Brasil, retratar camadas inferiores não seduziu o público. Por quê? Você teria uma resposta sobre o motivo do público rejeitar novelas com preocupações sociais?
Não sei até que ponto houve uma rejeição do público ou foi um condicionamento de produção. A telenovela, em última análise, é sustentada pelos anunciantes. Estes querem vender. Pessoas de camadas inferiores, os pobres, nem são compradores, nem projetam uma boa imagem vendedora.
A preocupação social, acompanhada de uma utopia — a esperança de um final feliz, da revolução redentora, ou o que seja — cabe perfeitamente no perfil do folhetim, do ponto de vista do público, mas não do ponto de vista da agência de publicidade, do ponto de vista do consumo. Por isso se reduziu a abordagem de aspectos sociais nas novelas.
Minha novela Vidas Opostas, que foi ao ar na Record, em 2006, provou que há público para a temática político-social. Metade dos meus personagens morava na favela. Na TV Globo não teria sido possível fazer essa novela, porque fugiria ao que eles chamam de “padrão Globo de qualidade”. Mesmo assim, por efeito da minha novela, depois disso a Globo incorporou o universo das favelas nas suas produções.
Talvez se possa explicar isso pela tão falada ascensão ao consumo das classe C, D e E ocorrida nos últimos anos.
Falando um pouco sobre o seu método de trabalho, um autor de novelas precisa ser extremamente disciplinado. Quais são os seus hábitos de trabalho? Como é a sua rotina de escrita? Prazer ou sofrimento?
De fato se precisa de disciplina para escrever uma novela. E eu sofro porque sempre fui muito indisciplinado e mesmo preguiçoso. O que me salva é que, como sempre vivi mais na imaginação que na vida real, não tenho dificuldade em passar meses e meses conversando com gente que não existe.
Quando estou escrevendo uma novela, minha rotina de trabalho, na verdade, se converte em rotina de vida. Trabalho praticamente o dia todo. Acordo por volta de 8, 9 h. Lá pelas 11 horas começo a trabalhar. Paro para o almoço, volto a trabalhar. E o mais duro, janto e, quase sempre, ainda enfrento um terceiro turno até de madrugada.
Prazer ou sofrimento? Criar um universo ficcional tão pulsante como é uma novela, que você escreve praticamente ao vivo, com a resposta imediata do público, é prazeroso. O que faz sofrer é que é muito grande. Ao final, são mais de seis mil páginas.
Muitos roteiristas, iniciantes ou não, são motivadas a escrever novelas por causa do dinheiro que se ganha. Você também foi influenciado inicialmente pelo dinheiro? E agora o que te motiva? E o que o roteirista iniciante precisa saber sobre esse aspecto financeiro: o que é mito e o que é verdade?
O dinheiro é fundamental. Ninguém trabalha de graça. Quem escreve novelas, em geral, ganha muito bem. Muito bem, ressalte-se, em termos do mercado de trabalho de autores-roteiristas. Porque se for analisar pelo lado do lucro que proporcionamos às empresas, é uma merreca.
Quando comecei a pensar em ir para a televisão, o que me atraía em grande parte era a possibilidade de viver da profissão. Escrevendo literatura e teatro a perspectiva seria morrer de fome.
O dinheiro é sempre uma motivação, mesmo quando você já tem o suficiente, porque está associado ao reconhecimento do trabalho.
O que o jovem que quer escrever novelas precisa fazer, antes de tudo — parodiando o velho Nelson Rodrigues — é envelhecer um pouco. A novela exige uma certa maturidade.
Agora, sejamos claros, o mercado de trabalho para novelistas é ínfimo. Quase todo o horário nobre das TVs abertas, no país, é ocupado por novelas. Apesar disso, quantos autores-roteiristas trabalham no Brasil em telenovelas, contando os cabeças e os colaboradores? Umas trinta pessoas, quarenta, com boa vontade. E isso porque hoje já se tem alguma concorrência, com a Record e mesmo o SBT. Então, para a maior parte dos aspirantes a novelistas o sonho vai se transformar em desilusão.
A telenovela é avara em termos de mercado de trabalho. A novela não são duzentos programas. É um programa que dura 200 dias, com o mesmo autor, os mesmos colaboradores, os mesmos atores, os mesmos diretores, etc. Ou seja, por ano, quantas pessoas ficam empregadas? É só contar para ver que as possibilidades são poucas.
Ainda sobre a pergunta anterior, há um vídeo na internet chamado “Pay To Writer”, onde o roteirista Harlan Ellison diz que os amadores, que trabalham de graça, prejudicam os roteiristas profissionais. E que ele, Harlan, está cansado de receber propostas para ceder gratuitamente os seus textos, sob o argumento de que seria uma boa forma de divulgação. Ele rejeita essas propostas e diz que não dá uma mijada de graça. O que você tem a dizer sobre isso?
GG – Concordo plenamente com o Ellison. Veja o seguinte, nada, absolutamente nada acontece no audiovisual — ou seja, cinema e televisão — se não houver um texto escrito como base. Basta ver o que ocorre com as dezenas e dezenas de pessoas envolvidas na produção, quando o escritor de uma novela atrasa os capítulos. Fica todo mundo batendo cabeça, sem saber o que fazer. Ou seja, todos dependem do que o escritor escreve. E no entanto, na hora de falar em dinheiro, principalmente no cinema, parece que os produtores estão te fazendo um favor em filmar o que você escreveu. Na televisão, há mais profissionalismo, porque tem um esquema comercial. Mas no cinema, que em grande parte vive de verbas públicas, a situação é difícil. Quase todos os diretores se acham também escritores. O resultado é o abacaxizal que se vê por aí.
Jamais escrever de graça: esse é um princípio fundamental, difícil de pôr em prática, principalmente por quem está começando. Mas não se pode perdê-lo de vista, pelo menos como um objetivo.
Ninguém nasce novelista, a pessoa se transforma. Geralmente, o primeiro impulso é ser poeta ou escritor. Como deu a sua transformação para novelista e o que pensou em ser inicialmente na vida?
Nunca tive a ousadia de sonhar em ser poeta. Mas sempre quis ser escritor. Comecei escrevendo contos e depois, teatro. Quando entrei para a televisão, já ia fazer 40 anos. Antes não pensava nela. Comecei ajudando o Ferreira Gullar numa minissérie. Foi ele que me apresentou ao Dias Gomes, que me convidou para colaborar em Roque Santeiro. Aí comecei a me transformar em novelista.
Tchecov dizia que quando estava bem-humorado escrevia as coisas mais sombrias. O seu estado de ânimo muda a sua escrita ou você segue à risca o planejado?
O estado de espírito sempre influencia a escrita. Mas numa telenovela as exigências externas são tão fortes, que resta pouco espaço para requintes subjetivos: é o tempo da produção, é o desdobramento da própria história através dos atores que já criaram uma expectativa, são as respostas do público, o Ibope, etc.
Ao lançar a novela Ribeirão do Tempo, a sua intenção era fugir dos estereótipos, ou seja, os personagens não seriam rasos, mas teriam dentro de si, contradições inerentes ao ser humano. Fora isso, você queria fazer uma novela satírica, em que todos os personagens tivessem importância na trama. Você acha que seus objetivos foram alcançados? E qual desses aspectos foi o mais difícil de ser trabalhado?
Minha intenção fundamental em Ribeirão do Tempo foi fazer uma novela calcada na ironia, o que é extremamente perigoso. O velho Kierkegard já dizia que a ironia é um alçapão (e é mesmo!). Num tipo de obra que se sustenta na identificação com os personagens e no envolvimento emocional do espectador, calcar a narrativa em elementos que exigem o distanciamento é uma equação complicada. Mas é assim que tenho levado a novela.
Fugir dos estereótipos no caso é levar o espectador a se identificar com personagens que ele naturalmente rejeitaria. A Arminda, por exemplo. É uma chata, careta, com características vilanescas. Mas como é apaixonada por um paspalhão boa praça — embora não admita —, o espectador entra na dela. O Jacson, de Vidas Opostas, também era um caso parecido. Ao mesmo tempo que era um bandido odiento, deixava entrever sentimentos, como o amor por Joana, que o humanizavam e aproximavam do espectador. Esse tipo de operação é o mais difícil de ser feito. Com a Arminda eu não consegui ir tão longe quanto queria. Ela acabou se tornando mais “boazinha” do que eu havia previsto.
Maiakovski dizia que não se deve deixar nenhum escritor levar os segredos da sua arte para o túmulo. E Simenon disse que o conselho mais prático que lhe deram foi o da escritora Colette, que era a de ser o mais simples possível. Então, qual o segredo da sua arte (pelo menos o mais essencial). Qual o conselho mais importante que te deram e qual o conselho que você daria para os iniciantes na arte do roteiro?
Acho o conselho da Colette perfeito. Só que atingir a simplicidade é difícil. Para muitos, impossível. Não sei se tenho propriamente um segredo. No folhetim, o que descobri é que o mais importante é você conseguir que o espectador se identifique com os personagens, positiva ou negativamente (pelo ódio, por exemplo). E nunca deixar de acenar com uma esperança de que no final vai haver uma recompensa, um consolo, como diz o Eco.
GRTV – Há muito tempo discute-se o primeiro beijo gay na TV. Algumas novelas já abordaram a questão e, inclusive, o beijo tão polêmico foi gravado na época da novela América / TV Globo, mas não foi ao ar. As novelas, mesmo sendo obras ficcionais, retratam histórias da nossa sociedade. Não podemos fechar os olhos para a população homossexual, que hoje tem mais espaço na mídia, mas que ainda é alvo de muito preconceito. Em outros países, como a Argentina, por exemplo, esse beijo já foi transmitido numa novela no horário nobre. Você pretende escrever alguma cena desse tipo nos seus próximos trabalhos? Em sua opinião, isso ajudaria a quebrar o preconceito que ainda existe com relação ao tema? (André Luís Cia, jornalista e roteirista)
Eu cheguei a pensar em desenvolver uma trama homossexual em Ribeirão do Tempo. Mas depois desisti. Achei que não ia dar para fazer o que tinha planejado, inclusive talvez, o beijo gay. As emissoras têm medo da reação do público e eu acabaria tendo de fazer concessões. Além de não ter certeza de que trataria o tema com propriedade.
Acho que o beijo gay em si não é fundamental para a quebra de preconceitos. Mas certamente ajudaria.
GRTV – Como competir com novas mídias? Temos hoje diferentes mídias que competem com a televisão: videogame, canal pago, internet, DVD. (Carla Giffoni, jornalista e roteirista)
Realmente, os tempos são outros. Antigamente, a TV aberta era quase absoluta. Hoje tem que disputar. Mas a meu ver o decisivo nessa questão vai ser sempre o conteúdo. Quem tiver os melhores conteúdos será vencedor.
GRTV – Vidas opostas foi um sopro de criatividade na teledramaturgia brasileira. Ao explorar bem os dois lados e levar o tráfico de drogas realista para a TV, a novela também investiu em uma nova linguagem (como as cenas da favela) inserida num folhetim tradicional. Além disso, o título foi escolhido por funcionários da TV Record. Em sua opinião, qual foi a maior colaboração que Vidas Opostas trouxe para a teledramaturgia brasileira? (Willian Bressan, roteirista e estudante de jornalismo)
A maior contribuição foi trazer o povo de volta ao universo ficcional das novelas. O povo real, que mora nas favelas, que enfrenta a violência dos bandidos e a corrupção da polícia. Metade dos personagens de Vidas Opostas era de favelados.
Vidas Opostas também provou que é possível fazer uma novela cheia de pobres viável economicamente. E trouxe de volta à teledramaturgia brasileira o realismo crítico.
GRTV – Sonho meu, exibida em 1993 pela TV Globo, foi a única novela ambientada em Curitiba. A trama emocionou os telespectadores e é lembrada até hoje. Por que a Globo não ambientou mais novelas em Curitiba e qual o motivo de ela não ter sido escalada para o “Vale a pena ver de novo”? (William Bressan)
Porque a Globo não mais ambientou novelas em Curitiba eu não tenho a menor ideia.
Sobre o “Vale a pena ver de novo” também não posso falar com conhecimento de causa. Sei que novelas antigas são descartadas por problemas de perda de qualidade da imagem. Mais, só com os programadores da Globo.
GRTV – Na Globo, você desenvolveu poucos projetos em autoria solo. Por quê? Esse foi o principal motivo de você ter se transferido para a Rede Record? (William Bressan)
Você tem razão. Na Globo eu tinha enorme dificuldade em desenvolver meus projetos. O que eu queria fazer, eles não aprovavam. O que eles queriam que eu fizesse, eu não tinha vontade. A Globo é muito grande e naquela época se arriscava pouco. Hoje melhorou. Então as chances eram menores para o profissional se impor no primeiro escalão. Na Record tive mais chances, felizmente.
GRTV – Atualmente a classificação indicativa acaba agindo como uma censura velada. Em tempos de democracia, essa é a maior ironia que pode ocorrer. Além de prejudicar a criatividade artística e individual dos autores de novelas, quais são os outros prejuízos provocados por essa rigidez da classificação indicativa? (William Bressan)
mal maior causado pela classificação indicativa praticada pelo governo é incentivar uma tremenda autocensura dentro das emissoras. Os executivos ficam com medo da reclassificação, com consequente mudança de horário, e então tendem a ser mais realistas que o rei, interferindo no trabalho dos autores, alegando que o Ministério da Justiça pode vir em cima. Sem o governo na parada ficaria bem melhor para os autores.
GRTV – Como você cria seus personagens: a partir da história que quer contar ou eles se impõem primeiro? (Ivana Rowena, roteirista)
Acontece uma interrelação. Mas o que vem primeiro é a ação. A ação é que define os personagens. Embora aconteça também do personagem desencadear ações. É um jogo permanente.
GRTV – Por que a Associação de Roteiristas [Nota: presidida por Marcílio Moraes] e outros órgãos representativos dos autores roteiristas não conseguem que a profissão seja legalmente reconhecida, apesar da promessa e dos esforços de Orlando Senna como Secretário de Audiovisual no governo Lula? O que está faltando, afinal: vontade política? (Ivana Rowena)
Eu não sei se nós precisamos de um reconhecimento legal. O que os autores-roteiristas precisam fazer é se impor no mercado de trabalho e isso vem com consciência profissional, organização, unidade e disposição de luta.
GRTV – Você acha que Robert McKee tem razão ao atribuir aos roteiristas nacionais essa situação de descaso? (Ivana Rowena)
Em grande parte o McKee tem razão. Os autores-roteiristas brasileiros têm pouca consciência profissional, pouca organização e quase nenhuma disposição de luta. É uma lástima.
GRTV – Qual a maior ou principal diferença em escrever na Record e na Globo? (Daniel Lemes Cury, roteirista)
Vou responder ao estilo do Lula. Na Globo, você entra no jogo ganhando de 4×1. Se tomar um gol, é uma besta. Na Record, você entra perdendo de 4×1. Se fizer um ou dois gols já é herói.
Agora, sem brincadeira. Por um lado, na Record há mais liberdade de experimentar. Já a Globo te oferece mais recursos e infinitamente mais mídia.
GRTV – O casal principal, Joca e Arminda, de Ribeirão, foi pensado no sentido de causar rupturas com o modelo de casal protagonista de novela? Como se deve lidar com a tentativa de mudar a novela e, ao mesmo tempo, agradar ao público conservador que, de certa forma, se assusta com novidades muito bruscas? (Daniel Lemes Cury)
Em alguma pergunta aí atrás, eu já respondi em parte a sua pergunta. A novela tem que forçosamente trabalhar com a identificação do público com os personagens. O que eu tento fazer é criar algumas identificações problemáticas, como a Arminda, que tem características vilanescas, ao mesmo tempo que é a mocinha da história. De certa forma, também faço isso com a Filomena. Embora seja uma heroína romântica, ela simplesmente compra o amado, tirando-o assim da rival. É uma construção de personagem complicada, que pode não funcionar.
É mais ou menos assim que tento lidar com a questão que você colocou.
GRTV – Em que pé está o roteiro do filme A Lei e o Crime? Você acredita que a Record ainda poderá produzir filmes em grande escala, como a Globo? (Daniel Lemes Cury)
O roteiro do filme A Lei e o Crime já está no segundo tratamento. Devo esclarecer que não será uma produção da Record, mas sim de uma produtora independente. A Record entra de forma semelhante à da Globo nos filmes que apoia. Acredito que muitos filmes serão produzidos nesse esquema.
GRTV – Após tantos anos de experiência, os ganchos que prendem a atenção do telespectador para o próximo bloco e o próximo capítulo surgem naturalmente? (Daniel Lemes Cury)
Eu não acredito muito no efeito dos ganchos. Na Record há uma dificuldade adicional em colocá-los nos capítulos, porque o momento da inserção dos comerciais e o tempo dos capítulos variam muito. Então, eu nem me preocupo mais em botar ganchos, ou melhor, procuro fazer com que todas as cenas tenham algum gancho.
GRTV – Como surgiu a ideia de Ribeirão do Tempo? Você acredita que a ironia e a representação da cidade como uma “amostra do Brasil” estão sendo entendidas pelo público? (Daniel Lemes Cury)
A ironia é sempre difícil e perigosa. Eu tinha consciência disso quando me meti nessa empreitada. Mas agora, já passado o meio da novela, acredito que pelo menos uma boa parte do público entrou na minha e está se divertindo com o distanciamento que a ironia proporciona. Vamos ver daqui para o final.